Aos 18. Mostrando uma foto que eu adorava para um namorado. Eu amava a foto porque meu cabelo estava comprido, liso. A roupa não era especial, mas eu gostava da expressão no meu rosto: estava feliz encostada num muro na minha casa em Esmeralda. “Olha essa tua barriga.”
Aos 20. Trocando uma roupa perto de uma pessoa da família, me sentindo à vontade, sem grandes sentimentos, simplesmente fazendo algo corriqueiro. “Nossa, Rafaela, mas teu corpo está tão flácido.”
Aos 22. Comprei um top e nunca usei. Num dia em que pensei: Ah, dane-se. Saí do meu quarto na república em que morava e o primeiro comentário da colega de casa. “Credo, que barriga enorme é essa?”
Aos 28. Visitando parentes, consciente de que meu peso estava do mesmo jeito há meses, anos. “Como você está bem, mais magra.”
Aos 30 e tantos, reencontrando um namorado da adolescência no Orkut/Facebook. Depois de algumas mensagens curtas sobre como andava a vida. “Você está bem mais magra agora.”
Por anos seguidos, a cada reclamação sobre minha barriga “gorda”, ouvir um: “você vai conseguir, basta fazer os exercícios certos!” (eliminar a barriga e ser magra).
***
Eu nunca fui gorda minha vida inteira. Nem acabei a frase e na minha cabeça ecoou quase que automaticamente um: “mais ou menos, né?”.
Com tristeza, percebo o quanto anos e anos de comentários de outras pessoas sobre o meu corpo tiveram um impacto tão negativo em mim.
Eu sou pequena, tenho pouco mais de um metro e meio de altura. Desde os 13 anos, idade em que lembro que já me pesava de maneira doentia, meu peso variou entre 42 e 50kg. Ou seja, em 30 anos, nunca tive um índice de massa corporal que fosse ruim, nunca precisei alterar meu manequim ao comprar roupas, nunca tive doenças decorrentes da variação do meu peso.
Apesar disso,
fui convencida desde muito cedo de que meu corpo não era adequado – às expectativas dos outros. E, claro, a partir de algum momento, às minhas próprias.
Quando olho isso de maneira racional, percebo que esse tipo de experiência é de uma maldade sem tamanho com muitas de nós no Brasil. Acredito que sejam raras as pessoas que nunca viveram tais situações e mais raros, entre nós todos, os que nunca fizeram algum comentário ou crítica sobre o corpo de outras pessoas.
Assim como recebi vários, fiz incontáveis comentários sobre corpos de amigos, amigas, parentes, colegas, vizinhos, desconhecidos... Sim, é vergonhoso. Eu tenho muita vergonha disso e, há alguns poucos anos, procuro ao máximo não fazer comentários sobre o corpo dos outros. Não é fácil, pois está muito impregnado em nossa cultura. É uma luta diária.
Mais difícil que essa, é a batalha diária para evitar pensamentos críticos em relação ao meu próprio corpo. Corpos que são saudáveis, bonitos a sua maneira, que fazem mil coisas incríveis ao mesmo tempo – como manter-se vivo, por exemplo.
Quando vejo amigas mães se esforçando para fortalecer a autoestima de suas meninas, fico feliz. Tomara que essas crianças consigam crescer gostando de seus corpos maravilhosos do que jeito que eles são. Era o que queria ter vivido.