terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Não gorda, mas gorda mesmo assim

Aos 18. Mostrando uma foto que eu adorava para um namorado. Eu amava a foto porque meu cabelo estava comprido, liso. A roupa não era especial, mas eu gostava da expressão no meu rosto: estava feliz encostada num muro na minha casa em Esmeralda. “Olha essa tua barriga.”

Aos 20. Trocando uma roupa perto de uma pessoa da família, me sentindo à vontade, sem grandes sentimentos, simplesmente fazendo algo corriqueiro. “Nossa, Rafaela, mas teu corpo está tão flácido.”

Aos 22. Comprei um top e nunca usei. Num dia em que pensei: Ah, dane-se. Saí do meu quarto na república em que morava e o primeiro comentário da colega de casa. “Credo, que barriga enorme é essa?”

Aos 28. Visitando parentes, consciente de que meu peso estava do mesmo jeito há meses, anos. “Como você está bem, mais magra.”

Aos 30 e tantos, reencontrando um namorado da adolescência no Orkut/Facebook. Depois de algumas mensagens curtas sobre como andava a vida. “Você está bem mais magra agora.”

Por anos seguidos, a cada reclamação sobre minha barriga “gorda”, ouvir um: “você vai conseguir, basta fazer os exercícios certos!” (eliminar a barriga e ser magra).

 

***

 

Eu nunca fui gorda minha vida inteira. Nem acabei a frase e na minha cabeça ecoou quase que automaticamente um: “mais ou menos, né?”.

Com tristeza, percebo o quanto anos e anos de comentários de outras pessoas sobre o meu corpo tiveram um impacto tão negativo em mim.  

Eu sou pequena, tenho pouco mais de um metro e meio de altura. Desde os 13 anos, idade em que lembro que já me pesava de maneira doentia, meu peso variou entre 42 e 50kg. Ou seja, em 30 anos, nunca tive um índice de massa corporal que fosse ruim, nunca precisei alterar meu manequim ao comprar roupas, nunca tive doenças decorrentes da variação do meu peso.

Apesar disso,

fui convencida desde muito cedo de que meu corpo não era adequado – às expectativas dos outros. E, claro, a partir de algum momento, às minhas próprias.

Quando olho isso de maneira racional, percebo que esse tipo de experiência é de uma maldade sem tamanho com muitas de nós no Brasil. Acredito que sejam raras as pessoas que nunca viveram tais situações e mais raros, entre nós todos, os que nunca fizeram algum comentário ou crítica sobre o corpo de outras pessoas.

Assim como recebi vários, fiz incontáveis comentários sobre corpos de amigos, amigas, parentes, colegas, vizinhos, desconhecidos... Sim, é vergonhoso. Eu tenho muita vergonha disso e, há alguns poucos anos, procuro ao máximo não fazer comentários sobre o corpo dos outros. Não é fácil, pois está muito impregnado em nossa cultura. É uma luta diária.

Mais difícil que essa, é a batalha diária para evitar pensamentos críticos em relação ao meu próprio corpo. Corpos que são saudáveis, bonitos a sua maneira, que fazem mil coisas incríveis ao mesmo tempo – como manter-se vivo, por exemplo.

Quando vejo amigas mães se esforçando para fortalecer a autoestima de suas meninas, fico feliz. Tomara que essas crianças consigam crescer gostando de seus corpos maravilhosos do que jeito que eles são. Era o que queria ter vivido.

6 comentários:

Daniela disse...

Oi Rafaela,

Eu leio sempre o teu blog, acho muito legal as tuas experiências fora do Brasil.

Sobre esse assunto, eu me senti na obrigação de comentar. Essa patrulha sobre o corpo dos outros, normalmente o feminino, é um horror. Eu espero viver para ver o dia que esse tipo de comentário sobre a aparência vá ser considerado o cúmulo da falta de educação. Porque, né, o que está por trás disso é a necessidade da mulher ser um enfeite, um objeto que tem que ser "bom" de olhar. Não interessa se ela é inteligente, tira notas excelentes, é ótima pessoa, consegue tudo com o seu esforço. E é o tipo de coisa que não interessa o que você faça, você vai estar sempre inadequada, sempre vai ter alguém que se dá o direito de dizer que você está gorda ou muito magra, ou muito assim ou assado.
A minha mãe foi a primeira e quase única de 9 filhos que fez faculdade, ganhava tanto quanto o meu pai, e se estrebuchava para dar conta do trabalho, filhos e casa. Mas para ela ser magra era (e é) um valor. Ela se sentia melhor que as irmãs porque era magra e as outras gordas. É um tipo de doença da nossa sociedade. Eu também já fiz muitos comentários sobre a aparência dos outros e agora me sinto mal com isso. Eu tenho uma filha de 10 anos e tento fazer diferente com ela, mas tem uma pressão enorme de fora. Mas espero que ela tenha mais condições de por limites nesse tipo de comentário do que eu tive.

Lud disse...

Assino embaixo comentário da Daniela. Os corpos das mulheres são públicos, todo mundo se dá o direito de comentar. E isso é um grande desaforo. Porque, no fim das contas, "ser magra" não te faz passar no vestibular ou em um bom concurso. E todo o esforço e energia direcionados a esse objetivo podiam ser usados... em muitas outras metas, inclusive se divertir.

Eu tento não fazer observação alguma sobre a aparência de mulheres, positiva ou negativa. Quando quero elogiar, falo de outras coisas.

Rafaela disse...

Oi, Daniela!
Obrigada pelo comentário e desculpe a demora na respota. E que supresa ter alguém além da Lud que lê o blog. :-)

Eu também espero viver esse dia em que ninguém fará comentários sobre nossos corpos. Aqui na Alemanha nem é tão complicado, mas basta pisar no Brasil...
A história da tua mãe é realmente impressionante. Que peso, né?
O lado positivo ou esperançoso de tudo é que você está fazendo diferente e certamente tua filha será um pouco diferente de nós, pelo menos terá essa segurança de casa.
Um abraço,
Rafaela

Rafaela disse...

Oi, Lud. Você tem razão, é como se nossos corpos fossem públicos e qualquer um pudesse dar pitaco. Eu me esforço, mas volta e meia escapa um comentário, mesmo que positivo, que deveria ter evitado. Beijo

Daniela disse...

Oi Rafaela,

Eu leio sempre o blog, acho muito interessante você contar do teu dia a dia na Alemanha. Tem muitas experiências de vida que não fazem diferença o local que você mora, porque são viagens, por assim dizer, mais internas. Mas esse olhar sobre a experiência diária que você muitas vezes relata, só se tem quando se mora no lugar. Eu moro na mesma cidade desde que nasci, e, com exceção de temporadas a trabalho em outras cidades e viagens esporádicas ao exterior, a minha vida foi sempre no mesmo lugar. A minha história e o meu jeito de ser são compatíveis com essa estabilidade, mas eu gosto de ler sobre vidas em outros lugares, são como janelas virtuais. Eu também gosto muito de ler biografias, mais ou menos pelos mesmos motivos. Ajudam a entender o mundo, tanto pessoal quanto historicamente.

Um abraço,

Daniela

Rafaela disse...

Obrigada, Daniela.

Eu tenho amigas de infância que nunca deixaram minha cidade natal. Algumas foram estudar fora e depois voltaram. Sao felizes. Algumas vezes penso o que teria sido da minha vida se eu tivesse ficado ou se tivesse feito um curso que permitisse trabalhar lá. Atualmente até daria para fazer jornalismo e voltar, mas há 20 anos, nao.

Nao sei quao grande é a tua cidade, mas há lugares que por si só já sao um mundo e nem precisamos sair deles para viver coisas diferentes. E também, claro, sempre depende da personalidade de cada um. Há pessoas que transformam pequenos espacos em lugares enormes.

Piscamos e já estamos em março!

Em dezembro, no começo do mês, eu comecei um post que nunca publiquei. Fiquei com pena de apagar. Entao começo este post com estes três pará...