quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Nunca imaginei um dia gostar de Martha Medeiros

Desde que moro no Rio, leio a coluna da Martha Medeiros na Revista do Globo, ou seja, quase todo domingo. Antes de mudar-me para cá, eu era reticente em relação à autora gaúcha. Talvez influenciada pelo meio, talvez por desconhecimento mesmo. Sempre ouvia comentário do tipo: "essa aí só sabe escrever esses textinhos" ou coisa pior. Livre dos comentários com a mudança de ambiente, comecei a conhecer melhor seu jeito de escrever. Não vou negar que às vezes ela escreve o que me parece óbvio, mas algo que de tão óbvio acaba sendo novidade, pois cegos que ficamos por olhar só nosso próprio umbigo e de nos ocuparmos somente com nossos próprios textos e, também, ego, acabamos nos esquecendo de coisas básicas. Nas últimas semanas, duas colunas chamaram mais minha atenção do que a média. Uma é esta que vem abaixo, sobre os chatos que todos somos. Ao ler essa coluna, eu tentei refletir sobre coisas que faço e acho que são a maior chatice para os outros: reclamar de comida, dizer que prefiro crianças educadas, que não suporto isso, que não suporto aquilo. Fiquei pensando: não há coisa mais chata do que uma pessoa que não suporta isso, não suporta aquilo, não pode com isso, não tolera aquilo. Desse dia em diante, tento não reclamar tanto da vida, das comidas que não gosto, das mães que não educam seus filhos, das pessoas que não separam lixo... :) Bom, como disse, tenho tentado ser menos chata com essas coisas. Na véspera da virada de ano, gostei de outra coluna entitulada Nunca imaginei um dia, que colo abaixo. Nela, Martha fala sobre coisas que achava que nunca faria, mas, de repente, permite-se fazer. Ao ler essa coluna, o que me ocorreu foi exatamente o que escrevi no título deste post: "nunca imaginei um dia gostar de Martha Medeiros". Como diz a Ana Paula, inspirada pelo Morin, não há nada melhor do que certezas biodegradáveis. Nunca imaginei um dia, por Martha Medeiros, publicada na Revista O Globo de 27 de dezembro de 2009. Até alguns anos atrás, eu costumava dizer frases como “eu jamais vou fazer isso” ou “nem morta eu faço aquilo”, limitando minhas possibilidades de descoberta e emoção. Não é fácil libertar-se do manual de instruções que nos autoimpomos. Às vezes, leva-se uma vida inteira, e nem assim conseguimos viabilizar esse projeto. Por sorte, minha ficha caiu há tempo. Começou quando iniciei um relacionamento com alguém completamente diferente de mim, diferente a um ponto radical mesmo: ele, por si só, foi meu primeiro “nunca imaginei um dia”. Feitos para ficarem a dois planetas de distância um do outro. Mas o amor não respeita a lógica, e eu, que sempre me senti tão confortável num mundo planejado, inaugurei a instabilidade emocional na minha vida. Prendi a respiração e dei um belo mergulho. A partir daí, comecei a fazer coisas que nunca havia feito. Mergulhar, aliás, foi uma delas. Sempre respeitosa com o mar e chata para molhar os cabelos, afundei em busca de tartarugas gigantes e peixes coloridos no mar de Fernando de Noronha. Traumatizada com cavalos (por causa de um equino que quase me levou ao chão quando eu tinha oito anos), participei da minha primeira cavalgada depois dos 40, em São Francisco de Paula. Roqueira convicta e avessa a pagode, assisti a um show do Zeca Pagodinho na Lapa. Para ver o Ronaldo Fenômeno jogar ao vivo, me inflitrei na torcida do Olímpico num jogo entre Grêmio e Corinthians, mesmo sendo colorada. Meu paladar deixou de ser monótono: comecei a provar alimentos que nunca havia provado antes. E muitas outras coisas vetadas por causa do “medo do ridículo” receberam alvará de soltura. O ridículo deixou de existir na minha vida. Não deixei de ser eu. Apenas abri o leque, me permitindo ser um “eu” mais amplo. E sinto que é um caminho sem volta. Um mês atrás participei de outro capítulo da série “Nunca imaginei um dia”. Viajei numa excursão, eu que sempre rejeitei essa modalidade turística. Sigo preferindo viajar a dois ou sozinha, mas foi uma experiência fascinante, ainda mais que a viagem não tinha como destino um país do circuito Elizabeth Arden (Paris-Londres-Nova York), mas um país africano, muçulmano e desértico. Aliás, o deserto de Atacama, no Chile, será meu provável “nunca imaginei um dia” de 2010. E agora cometi a loucura jamais pensada, a insanidade que nunca me permiti, o ato que me faria merecer uma camisa-de-força: eu, que nunca me comovi com bichos de estimação, adotei um gato de rua. Pode colocar a culpa no espírito natalino: trouxe um bichano de três meses pra casa, surpreendendo minhas filhas, que já haviam se acostumado com a ideia de ter uma mãe sem coração. E o que mais me estarrece: estou apaixonada por ele. Ainda há muitas experiências a conferir: fazer compras pela internet, andar num balão, cozinhar dignamente, me tatuar, ler livros pelo kindle, viajar de navio e mais umas 400 coisas que nunca imaginei fazer um dia, mas que já não duvido. Pois tem essa também: deixei de ser tão cética. Já que é improvável que 2010 seja diferente de qualquer outro ano, que a novidade sejamos nós.

2 comentários:

Ana Paula disse...

"um eu mais amplo". boa definição, né?

beijão, rafa!

Rafaela disse...

Sim, ótima! :)

Piscamos e já estamos em março!

Em dezembro, no começo do mês, eu comecei um post que nunca publiquei. Fiquei com pena de apagar. Entao começo este post com estes três pará...